Em 1941, o engenheiro e inventor George de Mestral saiu, como qualquer outro dia, para passear com o seu cão nos Alpes Suíços. Mas aquele não seria um dia como os outros. Ao retornar, ele notou os minúsculos carrapichos que estavam presos tanto no pelo do seu cão quanto no tecido de suas calças. Em vez de simplesmente retirá-los e continuar sua rotina, o suíço sentiu a necessidade de ver como os carrapichos poderiam ficar tão grudados. Com um microscópio em mãos, descobriu que eles possuíam algo semelhante a um conjunto de mini ganchos e argolas, cuja finalidade era justamente agarrar-se a outros objetos e conseguir dispersar as sementes para áreas maiores. Catorze anos depois, George de Mestral replicou este processo utilizando fibras têxteis para criar uma solução diferente dos zíperes tradicionais: assim nasceu o Velcro.
Podemos aprender com a natureza e imitar seus padrões para resolver problemas cotidianos? A resposta é sim. Este processo de observação e inovação inspirada na natureza chama-se arquitetura biomimética e tem a capacidade de reduzir custos em termos climáticos. Segundo um estudo do Swiss Re Group, as soluções originadas da observação da natureza poderiam gerar um valor agregado de milhões de dólares em todo o mundo.
Quer saber o que é arquitetura biomimética e qual seu impacto na economia atual? A seguir veja como a humanidade aproveitou, ao longo da história, os milhares de anos de tentativas e erros protagonizados pela natureza.
A arquitetura biomimética é um conceito que se refere ao estudo das formas, processos e sistemas da natureza com o objetivo de utilizá-los para resolver problemas ou desafios humanos.
A ideia central desta forma de criar baseia-se no fato de que nossos companheiros deste planeta (plantas, animais e micróbios) vêm se adaptando e se aperfeiçoando há mais de 3,8 milhões de anos - desde o aparecimento das primeiras bactérias - para poder superar todos os desafios que tiveram de enfrentar para manter suas espécies.
Observar, aprender, copiar e adaptar os modelos da natureza pode fornecer aos humanos diferentes visões e metodologias de trabalho na hora de enfrentar os desafios da sociedade. Embora seja verdade que copiar a natureza não é algo novo - Leonardo da Vinci já havia utilizado esta técnica no desenho da sua máquina voadora, inspirada em pássaros e insetos - o conceito foi popularizado pela autora Janine Benyus no seu livro Biomimicry: Innovation Inspired by Nature, em 1997.
Especificamente, neste livro a escritora científica estadunidense ressalta que: “Em uma sociedade acostumada a dominar ou melhorar a natureza, sua imitação é uma abordagem radicalmente nova, uma verdadeira revolução. Ao contrário da Revolução Industrial, a Revolução Biomimética nos introduz em uma era baseada no que podemos aprender com a natureza e não no que podemos extrair dela.” Por exemplo: como devemos cultivar os nossos alimentos? O que devemos fazer para criar materiais mais eficientes? Poderíamos agir de outro modo para fazer negócios de uma forma mais sustentável?
A natureza sabe responder a estas perguntas de forma diferente do que nós, seres humanos, costumamos fazer. Por isso a importância de impulsionar e promover esta observação, uma vez que ela nos permitirá enfrentar os desafios atuais de uma maneira mais sustentável e respeitosa ao meio ambiente. Algo especialmente importante em um ambiente global, que tem como desafio prioritário reduzir as emissões de dióxido de carbono e minimizar o aquecimento global.
Como afirma o documento Biomímesis: la innovación sostenible y regenerativa inspirada en la naturaleza, de Manuel Quirós, doutor em Biologia, esta disciplina “abre um caminho para dar origem não só a novas tecnologias bioinspiradas, mas também pretende mudar a relação da espécie humana com a natureza.”
Algumas características que definem a pesquisa e a inovação baseadas na arquitetura biomimética são:
Sustentabilidade. A pesquisa baseada na natureza otimiza ao invés de maximizar. É um modelo sustentável, regenerativo e menos intrusivo, cujo objetivo é encontrar um equilíbrio que melhore a eficiência e a sustentabilidade sem esgotar os recursos do meio ambiente.
Perspectivas não consideradas. Uma das vantagens da arquitetura biomimética é que ela fornece aos pesquisadores novos pontos de vista para resolver problemas que os humanos não tinham considerado por terem um enfoque mais convencional.
Experiência contrastada. A natureza tem evoluído e aperfeiçoado projetos e sistemas há milênios, oferecendo uma vasta base de conhecimento para inovação.
Resiliência e adaptabilidade. As soluções inspiradas na natureza são muitas vezes mais adaptáveis e resistentes às mudanças ambientais, aumentando a sua durabilidade.
Incentiva a curiosidade e a criatividade. A biomimética estimula a curiosidade das pessoas, o que leva a soluções criativas e ousadas.
Redução de custos. Ao aproveitar os princípios naturais, a arquitetura biomimética pode significar redução de custos a longo prazo por otimizar processos e recursos de forma eficaz.
Todas essas características destacam a oportunidade que as pessoas e as empresas têm ao incorporar esta visão em seus processos produtivos para gerar soluções inovadoras de forma mais eficiente, econômica e competitiva mas, acima de tudo, sustentável e respeitosa com o meio ambiente.
Na verdade, muitas empresas apostam na arquitetura biomimética há anos. Neste sentido, alguns dos casos mais notáveis da história são:
Os trens-bala Shinkansen do Japão. Os trens-bala do país asiático sempre foram famosos por sua velocidade, mas até poucos anos, também eram famosos por seu barulho. Ao entrarem em um túnel, empurravam o ar a uma velocidade que gerava uma onda de pressão e de som que podia ser ouvida a 400 metros de distância, o que era um problema principalmente em áreas residenciais.
Para resolver o problema, o diretor de desenvolvimento tecnológico, Eiji Nakatsu, inspirou-se na aerodinâmica do Martim Pescador ao saber que esta ave é capaz de mergulhar em alta velocidade sem quase espirrar água. Por isso, ele redesenhou a parte dianteira do trem imitando o bico deste pássaro. Além disso, a empresa também modificou as peças que permitem o fornecimento de eletricidade ao trem, inspirando-se no formato das penas das corujas, o que possibilitou atender ao padrão de ruído de 70 dB estabelecido pelo governo.
Turbinas eólicas mais silenciosas. A coruja reaparece em uma inovação relacionada ao ruído. Conforme explicado no livro Biomimicry: Innovation Inspired by Nature, estas aves de rapina são conhecidas por serem predadores silenciosos graças às suas penas, que possuem serrilhas e franjas flexíveis que minimizam a turbulência geradora de ruído na hora da caça. Com base nas asas das corujas, cientistas e engenheiros empregaram princípios semelhantes no projeto das pás de geradores eólicos e das turbinas para reduzir seu ruído.
Superfícies antibacterianas. A empresa Sharklet Technologies patenteou uma solução para o problema da proliferação de cepas bacterianas resistentes aos antibióticos, imitando as características observadas na pele dos tubarões. A estrutura da pele deste peixe impede o crescimento de crustáceos ou cracas, elementos que estão presentes em outros organismos marinhos. As soluções da Sharklet Technologies são utilizadas, sobretudo, na área médica e sanitária.
Arquitetura bioclimática. No novo Gabinete do Procurador do Condado de Pinal, no deserto do Arizona, o desempenho e a eficiência foram melhorados através da imitação do cacto saguaro (do latim, Carnegiea gigantea). Depois de criar um modelo tridimensional de um cacto saguaro no computador e fazer uma simulação de luz natural, os responsáveis pelo projeto imitaram as paredes verticais do cacto para proporcionar um autossombreamento contínuo e uma redistribuição de calor para evitar o superaquecimento. Nas fachadas também foram colocados vidros bioinspirados em teias de aranha para evitar a colisão dos pássaros, fato comum naquela região.
São muitos os exemplos que podemos encontrar de inovações baseados na arquitetura biomimética: tinta autolavável que copia a folha de lótus, materiais capazes de extrair água da umidade do ambiente, como faz o besouro do deserto da Namíbia, hologramas para evitar a falsificação de cartões de crédito a partir das nanoestruturas das asas das borboletas etc.
A natureza é uma fonte constante de inspiração com muitas patentes a serem descobertas. É uma biblioteca com quase 4.000 anos de conhecimentos que as empresas e seus profissionais podem utilizar para encontrar as soluções que a nossa sociedade precisa em praticamente qualquer setor.
De acordo com um estudo do Fermanian Business & Economic Institute (FBEI), da Point Loma Nazarene University, e segundo a análise de Manuel Quirós sobre arquitetura biomimética e inovação, indústrias como as de energia, de materiais, de arquitetura, de gestão agrícola, de medicina, de mobilidade e de robótica serão objetivos prioritários em termos de investimento em arquitetura biomimética nos próximos anos.
Só nos Estados Unidos, segundo este estudo da FBEI, a arquitetura biomimética poderá gerar cerca de 1,6 milhões de empregos nesta década. Alguns casos correspondem a substituições de empregos ligados a produtos e tecnologias mais antigas, como as energias fósseis, mas em muitos outros correspondem a mercados completamente novos.
Como podemos acelerar essa transformação? Estimulando a inovação e reconhecendo que estamos rodeados de natureza a ser explorada. Por isso, e para desenvolver estes tipos de inovações baseadas na natureza, os avanços em áreas como a computação, os materiais, a sensorização e a Inteligência Artificial apresentam um enorme potencial. Daí a necessidade e a importância de contar com trabalhadores e pesquisadores qualificados nestas áreas do conhecimento.
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